Mais amor, por favor.




Existe uma dor enorme que reside escondida atrás de qualquer ato. Raramente nos damos conta que sentimos essa dor e essa falta de consciência é justamente o que se poderia chamar de “felicidade” – é bem como diz o ditado popular: “a ignorância é uma bênção”. Para os que sabem de sua própria desgraça, resta sofrer, seja em silêncio ou publicamente.

Sofrer em silêncio é difícil porque dói muito mais. É preciso ter uma atitude quase estóica para se agüentar uma vida assim. Cagam na nossa cabeça, mas a gente não revida. Como Martin Luther King, damos a outra face e apresentamos ao mundo apenas o melhor de nós, ainda que isso não nos pareça o melhor para nós.

Escancarar para a humanidade que tudo é uma merda é igualmente problemática. Se há, por um lado, o alívio da frustração gerada pelo silêncio, há, por outro lado, a dor da rejeição. Ninguém gosta de bebês chorões – mesmo os próprios bebês chorões: já existe tanta dor na nossa vida que não estamos nem aí para o que pesa na cabeça alheia. Se algo está errado com os outros, eles que se danem. “Já tenho problemas demais pra me preocupar com isso”. Mas não se assustem caso se reconheçam nessas palavras: o ser humano, até o dito altruísta, é egoísta por natureza; ele sempre busca a satisfação pessoal acima de tudo, ainda que esta realização resida na entrega às realizações de outrem.

Nessa parada louca que a gente vive, nesse mundão caótico e pueril, que sentido pode ter a vida? Há quem busque refúgio na religião – e não me entendam mal, se isso funciona para vocês, acho ótimo! -, procurando o conforto na próxima vida, no além-vida ou numa retidão da vida atual. Funciona pra muita gente – é só ver como encontrar Deus ajuda os viciados a se livrarem dos malefícios do seu vício em particular.

Outras pessoas, por outro lado, lidam com esse problema através das drogas, sejam elas lícitas ou não. Essa parcela da população pode ser enquadrada em duas categorias sociais: um cidadão normal, caso ele não ceda aos excessos e ainda cumpra seu papel na sociedade; ou um problema social se ele não for capaz de se automoderar e, portanto, prejudicar o desinteresse alheio.

O primeiro grupo é composto pelos trabalhadores-padrão que estão na zona do aceitável. Trabalham em empregos os mais variados, chegam a suas casas, bebem sua cerveja (ou uísque, ou tomam remédios, ou fumam maconha, tanto faz, na verdade, eventualmente batem na mulher ou nas crianças (ainda que seja “de leve”, só em momentos de estresse). Não há, para os padrões do mundo, nada de errado com essas pessoas – elas pagam suas contas e normalmente não nos incomodam.

Já os que pertencem ao segundo extrato que selecionamos são aquelas figuras que costumamos desprezar. Mendigos, bêbados, drogados, minorias étnicas, minorias religiosas, prostitutas, comunistas... Não há uma distinção exata de quem deve ser enquadrado nesta subcategoria de ser humano. Só precisamos detestá-los por serem denúncias vivas do nosso próprio descaso para com o mundo. A mera existência desses seres que cometem excessos de alguma natureza - aos nossos olhos – já é suficiente para que os desprezemos. Eles nos custam dinheiro, já que necessitam do apoio do governo. Eles também nos incomodam pedindo esmolas, comida, roupas, empregos ou direitos iguais. “Ora, por que não param de reclamar e vão trabalhar?”. Esses são os desgraçados que encaramos como problemas sociais.

 Hoje em dia vivemos numa sociedade repleta de grupos requisitando seus direitos: Mulheres, negros, índios, gays, pobres e oprimidos. “Que se danem!” é o que normalmente se pensa nessas horas. “Querem roubar nossos empregos, nossas vagas na universidade, nossas terras, nossa vida!”. Buscamos, então, por soluções efetivas que já tenham sido devidamente testadas. Refundamos mecanismos antigos e retrógrados para dar a essas pessoas o que é delas por direito: sua cachaça, sua pedra de craque, sua favela, sua oprimida obscuridade. “Nosso mundo precisa ser limpo, que morram estes trastes!”.

Se olharmos bem para todas essas ideias que correm pelo meio de nossos círculos de amigos, podemos perceber algumas coisas. Gostaria de ressaltar duas em especial. Primeiro: atrás de um discurso integrador, supostamente caloroso e pacífico, há cicatrizes profundas que anos de colonização, escravidão e preconceito geraram em nossa sociedade.

Talvez isto não seja tão claro como em outros lugares do mundo, mas há certamente um grande ideário racista implícito em nosso jeito de agir. Esse discurso oficial vazio de que estamos livres do preconceito só clareia uma coisa: o quão pouco de amor que temos uns pelos outros. Não vou nem entrar no panorama mundial, não é preciso: fiquemos somente com o Brasil. O número de assassinatos aumenta a cada dia, assim como escândalos de corrupção política; abusos por parte das forças policiais; sistemas de saúde que não atendem às demandas básicas da nossa sociedade. Não é preciso entrar em maiores detalhes: todos sabemos do que estou falando.

E é a partir deste ponto que entramos no segundo fator que eu gostaria de ressaltar: quem é, realmente, o problema social do Brasil? Os coitados que nada têm e que precisam lutar por um pouco de dignidade? Ou seríamos nós, donos do acesso aos direitos políticos, a uma vida cultural estável e estabelecida, a recursos financeiros e intelectuais, nós que nada fazemos? Reclamamos por sentirmos que classes fragilizadas estão recebendo muita atenção – atenção estas que nós, supostamente, não mais ganhamos. Criamos um incrível discurso que classifica como preconceituoso(a) aquele(a) cidadão(ã) que quer fazer valer seus direitos assegurados pela constituição brasileira.

Estudantes que recebem benefícios do governo condenam aqueles que passarão a receber mais vantagens, aqueles que anteriormente nada tinham. Doentes que recebem tratamento pelo SUS ostracizam os moribundos que nunca foram contemplados com alguma perspectiva de ter uma saúde decente. Fazendeiros matam aqueles que nunca tiveram acesso a um pedaço de chão para plantar seu próprio sustento.

O mais incrível é que tudo isso acontece debaixo de nossos narizes. E nós costumamos cagar e andar pra tudo isso. O máximo que fazemos é escrever uma nota de repúdio ou um texto crítico, como este, para afirmar o quão chocados estamos com o rumo das coisas. Mas e o que fazemos, na verdade? Ficamos sentados em frente a nossos computadores, recebendo nossos gordos salários na segurança de nosso bem guardado lar.

Fingimos compaixão somente para nos sentirmos bem conosco mesmo. Se há uma greve, apoiamo-la sem sair de casa. Se há corrupção, condenamo-la à distância. Se há bêbados que espancam suas famílias ou viciados que roubam para sustentar seu vício, fazemos uma expressão consternada quando o assunto surge em meio a mais uma rodada de cerveja. Se alguém diz que não há amor no mundo, concordamos sem pensar duas vezes – e no próximo dia, desprezamos o primeiro pedido desesperado por um punhado de caridade.

Garçom fecha essa conta que eu preciso dar o fora daqui! Vou pra cama agora, dormir bem e esquecer tudo isso quando acordar. Por que é assim: alguns sofrem em silêncio, outros bebem, alguns fumam enquanto outros idiotas escrevem.

Marcham os soldados...


Todo o dia que os milicos passam correndo e cantando aqui do lado do prédio, sinto vontade de ensinar uma canção nova pra eles. Algo assim:

Por favor, ô seu sargento
Por que o senhor não dá um tempo?
Chega dessa cantoria
Me enchendo o saco todo dia!

Um, dois
Passam os bois
Três, quatro
Se indo pro meio do mato
Cinco, seis
Comandando como reis
Sete, oito
Vivendo sempre afoito
Nove, dez
Ao ritmo dos seus pés

Por favor, ô seu sargento
deixa desse abrasileiramento
Chega dessa cantoria
que matou um cidadão por dia!

Quando eles morrem, é mais fácil.



É mais fácil quando os acidentados morrem e não precisam de hospital. O peso sobre nossos bolsos e sobre os segundos caixas dos gestores públicos é menor. É mais fácil para aquele pobre diabo, que não vai passar o resto da vida sem andar, sofrendo com dores e falta de acessibilidade. Quando eles morrem, é mais fácil para o espetáculo da morbidez humana: o circo se arma e o círculo se fecha ao redor do morto - e ali naquela beira de estrada, todos os observadores fingem estarem se sentindo mal, mas lá no fundo, agradecem por não ter sido com eles. Mas se o pobre diabo não morre, aí não é nada fácil. Os gritos atrapalham a sensação de alívio, fazem ela ser substituída pela culpa e pela impotência - e até pela vergonha daquele sombrio pensamento de "por que ele não morre?".

É mais fácil quando os viciados morrem e não precisam de internação em hospital nenhum. Eles não ficam espreitando nossas vidas, prontos para nos tirar o suado salário do mês em troca de alguns instantes de êxtase. É mais fácil quando eles morrem e não ficam na rua sujando a nossa moral coletiva ou construindo suas favelas imundas. É melhor quando eles morrem e poupam sua família do peso da doença. Só não é fácil quando eles não morrem e ficam ali, como um tumor exposto à luz do sol, como uma doença altamente contagiosa, uma lepra social, que mostra pro mundo nossos problemas e nos faz lembrar, no nosso âmago, que a culpa é realmente nossa.

É mais fácil quando os pobres morrem e não precisam de serviço de saúde público, educação pública ou apoio governamental. Quando eles partem dessa pra melhor, porque qualquer coisa é melhor para esses pobres bastardos que sua vida, nos poupam vários reais em impostos: Sobra mais vagas nas boas escolas para que nossos filhos estudem de graça, sobra mais vagas nos hospitais para que nossos doentes se tratem de graça, sobra uma porção maior do orçamento público para melhorar nossos queridos bairros A e B. Só é duro quando eles insistem em viver naquela merda de vida, chafurdando na imundice e roubando nossa paz de alma. Quando eles não morrem, a mancha não vai embora e os nossos pecados se refletem em cada suspiro de cada mendigo, no rosto de cada criança que pede um troco pra poder comer.

É mais fácil quando os homens morrem e não precisam mais nos mostrar o quão falhos eram. A memória é maleável e pode escolher o que vai lembrar e o que vai esquecer: quando eles morrem, só lembramos das coisas boas. As estátuas nas praças e os nomes das ruas nos dizem que grandes homens construíram essa cidade, esse Estado, esse país - se não fossem por eles, hoje estaríamos entregues aos portugueses, aos comunistas ou aos pobres. Quando eles morrem, podemos dar vivas aos nossos heróis nacionais. Mas quando os safados resolvem ficar vivos, aí a coisa se complica. Vemos que eles costumam fazer mais besteiras do que boas coisas; ouvimos suas opiniões preconceituosas que nos deixam envergonhados porque, em grande parte, lembram muito daquelas tendências nossas que gostamos de deixar escondidas nos cantos sombrios das nossas mentes, reservadas às íntimas rodas de amigos.

É mais fácil quando a Verdade morre e não precisa ser exibida em praça pública. Quando ela morre, podemos relativizar as coisas e deixar que todos tenham direito ao seu próprio ponto de vista - desde que eles tenham a cor e o dinheiro certos. Sem Verdade, podemos nos entregar aos nossos desejos ignóbeis, desde que eles não sejam vistos por muita gente. Quando a verdade morre, é mais fácil de continuar vivendo sem lembrar da culpa - o que restam são doces lembranças de infância distorcidas. Às vezes ela teima em descansar pra sempre, é uma brigadora, todavia há sempre uma boa alma disposta a manter as coisas na mais santa paz. Mas quando a danadinha não morre, aí tudo tem que ser o que é, e quem não se esconde, mané, tem que ter suíngue no pé.

Uma homenagem a H.P. Lovecraft

Iä iä! Cthulhu fhtagn!

O Sol submergirá em profunda escuridão;
Nascerá o dia sem calor, a noite sem luar

Na treva alheia, encontrar-se-á iluminação
À sombra dos espíritos em descanso milenar


Sopra o hálito pútrido; Voz eterna da náusea
Que profere toda as glórias profana à morte!
Logo emergirão de sua velha morada óssea
Os esquecidos versos Ancestrais de fel porte.

Aquele já se foi para sempre será no instante

em que o Tempo se tornará uma espiral contínua.
O destino pela eternidade jaz junto ao litigante
Que aguarda, afogado, a morte descontínua.

Ph'nglui Mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn


Imagem da HQ Neonomicon, de Alan Moore

Cansar-me-ão...


... as tuas exigências. Eu poderia escrever mais. Eu deveria escrever mais. Caso assim fizesse, talvez escrevesse melhor... Mas é tão difícil abandonar certas convicções. Por exemplo: sou convicto na minha preguiça. É verdade que, não fosse por ela, eu poderia ser muito mais do que sou, mas quem disse que quero sê-lo? É tão difícil acreditar que pouco me basta? É crime hediondo gostar de fazer nada? Caso gostasse de praia, poderia me imaginar como um daqueles cidadãos que, cansados do caos urbano, abandona a vida tumultuada da grande cidade e se muda para o litoral em busca de sombra e água fresca. Um senhor aposentado e sua rede a balançar. Mas eu não gosto de praia – prefiro viver nas cidades, ainda que deteste o tumulto. Suponho que seja por isso que gosto tanto de estar acordado à noite: é tudo calmo e a santidade do meu quarto não é invadida pelo sem número de sons cacofônicos. E é por isso que gosto tanto de dormir muito: nos sonhos, não há barulho se assim eu não o quiser; não há trabalho, nem pressões e nem demandas; lá nos sonhos, as possibilidades são infinitas, só limitadas pela minha própria criatividade.


É crime, então, querer sonhar mais? Deve ser, já que todos me condenam. Devo escrever mais, devo pensar mais, devo produzir mais, devo consumir mais. Há tantas coisas que querem que eu faça, mas preciso realmente fazê-las? Nunca nos dizem realmente o porquê, não é mesmo? Gostaria era de ter permanecido na infância, ou de poder a ela retornar; Tudo era tão menos complicado naqueles dias pequeninos. O tempo era sempre grande, às vezes grande demais; qualquer tralha virava um brinquedo novo; uma nuvem engraçada era motivo para criar e conta uma estória fantástica... Ah, sim, as estórias fantásticas... Havia magia naqueles dias – magia que me falta hoje. E não estou falando de truques de mágicos profissionais ou de grandes poderes ocultos, mas daquela capacidade jovial e inocente de surpreender-se com o menor dos acontecimentos cotidianos. Quando crianças, tínhamos o mundo pela frente e as horas duravam bem mais. Tudo eram possibilidades: havia uma infinidade de sonhos a se perseguir e de mundos a conquistar. Mas foi logo lá naquela tenra idade que ceifaram qualquer chance de concretizar as magias em potencial.

Sente direito! Preste atenção! Some, divida, subtraia, multiplique! Escreva-me sobre os clássicos! Mas onde ficou o espaço para as minhas vontades, para a minha criatividade? Já naquela época tentaram me tornar previsível, raso. Não deu certo - ao menos, não plenamente. Ele é depressivo! Ele é hiperativo! Ele é desatento! Dêem-no algo para curá-lo! Mas quem disse que eu queria uma cura? Tudo o que de melhor há em mim morre com a cura que eles me querem. Colocam-me a trabalhar, a estudar, a melhorar... Mas para quê? Minhas ideias escorrem pela minha testa. Meus ideais se esvaem pela minha uretra. Minha vida foge pelas minhas narinas. Assim tem sido essa existência de (desinteli)gente grande – existência, não vida; porque não há gozo em desperdiçar meu tempo, meu prazer e meu pouco talento em projetos alheios. Se sou mesmo dono de meu nariz, que me deixem ser como quero! Já disse antes e lhes direi novamente: gosto da minha preguiça, de regozijar meu tédio. Deixem-me ser quem sou que serei melhor. Se me querem vivo, deixem-me sonhar. E chega de vitupérios.

Sem nome, nº 13

Suam as mãos, soa o coração
Ritmo incandescente do futuro.
O tempo vive em eterna retração
Faltam segundos, sobram muros.

Sua o coração, soam as mãos
A continência é só um sussurro.
Roubam-me até minha contradição
O mel disfarça qualquer murro.

Gangrena, febre e vil podridão!
As sinapses de um cérebro infiel
Tesas glândulas 'inda denunciarão.

Sorrisos e promessas de papel
Que sobra para o povo, então?
Jogam-se os amanhãs ao léu!

Evangelho de meu tempo

A peregrinação da alma vazia levou-me ao abismo.
Irmãos, tenho vivido há tempo demais no deserto.
Irmãs, nunca antes na vida tive conceito mais certo.
Revelar-lhes-ei a Verdade de todos os nossos ismos.

Nunca cri, não creio e nem acreditarei no que há além.
Não pretendo dizer-lhes que senti Deus, Alá ou Buda.
Mas como eremita social e moral, minha visão é aguda
E mortal. Meus ouvidos escutam mais do que me convém.

Disseram-me os silêncios das Igrejas que Deus é amor,
mas antes de cada guerra, ouvi o clamor por Seu nome.
Onde estava o amor? Que fogo sagrado que lhe consome?
E dizem que Cristo se sacrificou com intuito redentor.

Não, irmãos, não! Não foi para vosso abandono alheio
que Cristo se sacrificou. Haverá de ter sido em vão?
Crucificar-me-iam assim que eu negasse ser cristão.
É crime negar-lhes; mas digam-me, o que é ter receio?

É gesto majestoso e sagrado ajoelhar-se por ter medo?
Se assim for, Deus vos benze através da bruta polícia,
dos cruéis assaltos e assassinatos, da oral malícia.
O medo nos aprisiona! Digam-me: é este o seu credo?

Mandaram-me amar meu vizinho, mas e se ele for gay?
Aí dirão que não posso. Por aqui é errado ser feliz;
porque sim, há um jeito apropriado para se ser feliz.
Mas e Deus não era amor? Ou sabe ele algo que não sei?

Não fomos, afinal, feitos à Sua imagem e semelhança?
Sendo assim, imagino que saibamos tanto quanto Ele
a menos que haja algum segredo que Ele não nos revele.
Sei de tudo isto, mas gostaria de negar esta herança.

Grito, mas sou sufocado em nome do silêncio que rege
o santuário. Se vos roubo com promessas, sou acolhido.
Mas caso diga que preciso de uma moeda, serei excluído.
É duro a vida do pobre herege cuja graça não se elege.

Apedrejar-me-ão tão logo tais versos forem lidos.
"Blasfêmia!", é o que gritarão aqueles que amam odiar.
É isto que nos tornamos quando escolhemos o altar
em troca daquela fé que pensávamos ter escolhido.

Meu desejo não é ofender, mesmo que isso vos ofenda.
Não! Anseio por um mundo melhor, onde todos coexistam.
Gostaria de fazer este sacrifício para que desistam
desta vida de injúrias, perjúrios e falsas oferendas.

Sacrifico estes meus versos em nome da humanidade.
Não deverás pagar dízimo; não deverás mais detestar.
Não discriminarás; não mentirás; deverás libertar
tua mente e teu mundo de toda mundana improbidade.

Não sei teu nome e tão pouco importa que saibas o meu.
Escuta minhas palavras: não confudas fé com religião.
Não confundas xenofobia e homofobia com a salvação.
O dever para com esse futuro é tanto meu quanto teu.

Dia dos pais...

Durante séculos mantivemos nossas diferenças
Tempo que um dia parecerá longo demais.
Dirá que houve até intransponíveis desavenças
que outro dia talvez não fossem nada demais.

Assim como um Zeus que desafia seu Chronos
já tivemos asperezas e até silêncios demais.
Em nome do ego e da juventude, construí tronos
D'onde reinei como um tolo, arrogante demais.

Desafiar paterna autoridade é apenas humano;
mas sulca na carne da alma cicatrizes demais.
E tudo em nome de muitos e mesquinhos enganos.

Os anos passaram, talvez, rápido demais.
E com eles vêm a dor que causaram os enganos.
Hoje é um daqueles dia em que sinto falta de meu pai.

Dorme, criança

Como ferro frio que destrói assombrações
o mundo teima em ceifar-me as aspirações
Se para viver neste mundo sou incapaz,
certamente é porque o onírico me satisfaz

Uma hora a menos para cansar-me e matar;
um punhado de meses a mais de vida voraz.
O sol nasce e me destrói, suga-me todo ar
como fogo que consome a floresta mais tenaz.

Torso em riste, punhos cerrados, cabeça vazia:
Querem todos que eu realmente desista de sonhar!
A cama à noite e horas para gastar durante o dia.

Desejava mesmo te fazer dormir e  flutuar.
Irrigar-te com um pouco de luz, como fazia
o sol ao se pôr para acender o belo luar.

Desaparecimento

Pedaço por pedaço, cedo desapareço
Como fumaça e gritos em meio a prantos
Toca-me o fado da existência ao avesso
Essa doce magia que perdeu seu encanto

Sobra a névoa de mais espesso porte
Sobra aquela velha dor que nunca perdoa
E se os versos entristecem vossa sorte
É porque há anos eles têm vivido à toa

Os antigos sábios já não sobem aos céus
Suas suaves silhuetas e sons são absorvidos
E ressonam na sinfonia dos solitários mausoléus

Que silvam mil sussurros suspeitosos
Que sulcam-nos sonhos sombrios e sórdidos
E sugam o suado sangue dos silenciosos

Sobre ciência política

Entre falsos abraços e elusivas promessas
escondem-se as maiores dores do coração
Doces sorrisos revelam subliminares ameaças
Vidas vazias vagam no alento da vulgarização.

Soam solidárias as elegias dos anjos celestes
que do centro do paraíso sorriem aos mortais.
De espada em riste, é dura a vida no agreste
onde se mata a dignidade por uns trocados a mais.

O hálito maculado pela podridão da doce morte
inebria os olhos e ilude qualquer velha inocência
que se revista de honestidade de qualquer sorte.

Antigos costumes ainda vivem sem muita decência
e ainda encontram neste mundo renovados aportes.
Finda aqui qualquer esperança na política ciência.

Dia dos namorados, coração alardeado

Sei que o dia dos namorados foi ontem, mas eu acabei esquecendo de postar o poema por aqui ainda ontem. Bom, suponho que o que vale é a intenção, certo?

Coração alardeado


Cala-te, coração que se demora!
Não me abandones, amigo incauto,
que a razão me foge justo agora.
Logo tu vens a alardear bem alto
que me perdi contigo mundo afora.

Cala-te, coração tolo e cruel!
Mal podes aguardar por essa hora
em que terás chance de me ver réu
do amor insano que há meses aflora
em meu peito despido de véu

Cala-te, lembrança inglória!
Não quero mais lugar no teu céu,
e nem quero mais essa história!
Só desejo esse amor que meu
peito acalenta com febril memória.

Cala-te, coração afoito e pesado!
Deixa-me viver meu dia de glória.
Ouvir uma solícita voz, compromissado
com os frutos da apaixonante vitória!
Descansa, coração, já estou apaixonado!

Fala, coração, só quando for contar
ao mundo que hoje é dia dos namorados.
Nas asas dos beija-flores, vivo a voar
espalhando no vento que sou enamorado...
Como o céu ama as estrelas e o luar.

Conversas com as Pessoas de Fernando...



Diz-me lá, velho mestre d'outrora
que fazes a pregar teus sonhos e fados por aqui?
Para onde foram as naus que agouras?
Foram-se atrás de Sebastião e deixaram-te aqui?

"Que sonhos?... Eu não sei se sonhei... Que naus partiram, para onde?
Tive essa impressão sem nexo porque no quadro fronteiro
Naus partem - naus não, barcos, mas as naus estão em mim (...)"

Calma lá, velho amigo, nem tudo está perdido.
Não te desapontes frente às absurdas Horas!
Alivie a dor nos papéis, diga o não-dito
que ainda há de se escrever. Não te acanhes: chora!

"Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,
e eu ver isso em ti é um por sem navios"

Todas as dores do mundo recaem sempre sobre nossos ombros
Os olhos que tudo veem são os dos homens azedos e condenados
Resta um último esforço hercúleo para reerguer os escombros
Encontrar as formas imprecisas nos sonhos que estão afogados

"(...) E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta
Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta
E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida"

Mas para além dos sonhos, quanto sentido se pode ter?
Tenho tantas dúvidas, e são tantas as minhas incertezas!
Seria a vida o sofrer, o amar, o partir, o ter, o saber?
Que sabemos nós sobre o panteão das filosóficas grandezas?

"Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o soul, que peca
Só quando em vez de criar, seca

O mais que isto
É Jesus Cristo
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca”

Tens toda a razão, meu caro lisboeta
Chega de estéticas e morais tísicas!
De hoje em diante, vivo a vida do poeta
mais simples, sem qualquer metafísica!

Como os ingleses, de tabacaria em tabacaria
o resto dos meus míseros dias passarei.
Lá no horizonte, o Tejo; e na cabeça, a poesia!
Se um dia eu o vir, caro amigo, acenarei!

"O homem sai da tabacaria (metendo o troco na algibeira das calças?)
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta).
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e e viu-me
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus, ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu".

______________________________________________________________________
A princípio, esta ainda é um rascunho do meu diálogo imaginário com os poemas de Fernando Pessoa.

P.S.: Para a confecção deste poema, foram usados versos dos seguintes poemas: "A Casa Branca Nau Preta"; "Hora Absurda"; "Liberdade"; novamente de "Hora Absurda"; e "Tabacaria".

Um novo dia, um novo mundo.

Sei que eu tinha prometido voltar à ativa, mas fui deixando as coisas meio de lado... E por isso, peço desculpas! Vou tentar, novamente, manter estas paragens mais atualizadas de agora em diante. Ando escrevendo bastante e sinto a necessidade de compartilhar um pouco disso com o mundo.

Tem dias que a gente acorda, mas preferia não acordar. Pensando bem, seria melhor dizer que são poucos os dias em que realmente queremos acordar. Quem aqui gosta de trocar uma cama quente e um mundo onde somos quem queremos ser, onde as coisas acontecem sempre para nosso melhor? É claro que há os pesados, mas não são eles que costumam preencher nosso sono, não é mesmo?
Mas levantar é preciso. Ao menos, foi o que me disseram a vida toda. Levantar e ir pra escola. Levantar e ir pra missa. Levantar e ir pro trabalho. Levantar e ir pro caixão. Bom, isso ninguém nunca fala... Mas fica implícito, não? Passamos tanto tempo estudando, trabalhando e rezando que dificilmente vemos a vida passar, nós raramente nos damos o tempo necessário pra aproveitar a vida... Um dia eu me dei conta disso. Em cada nova oportunidade que nos levantamos, estamos dando só mais um passo em direção ao túmulo.
Onde fica esse tempo que nos falta, então? Alguém, com certeza, têm de estar tirando ele de nós, certo? Mas não. Nós mesmos nos privamos de ter uma vida há muito tempo atrás – alguns diriam que foi em outra encarnação. Quando aceitamos, enquanto espécie, que queríamos ser uma sociedade baseada no progresso, nos condenamos à escravidão. Somos prisioneiros do relógio, constantemente acossados pelas metas e os objetivos. É vencer ou morrer tentando, e o meio termo significa a exclusão.
Quando foi a última vez que levantou atrasado, despreocupado, e deu uma boa olhada no céu? Quando foi a última vez em que você tirou uns minutos para se embasbacar? Aposto que há anos você não desperdiça horas tentando entender o porquê você é tão infeliz – não, ao invés de fazer um esforço desses, você vai ao médico e paga para ele lhe dizer que você está doente e que precisa deste ou daquele remédio. Mas sejamos sinceros: quem aqui não faz isso? É normal, aceitável e até desejável que você faça isso – saudável, eles dizem -, afinal, alguém precisa pagar as contas.
Mas suponho que o mundo seja um grande aglomerado desses paradoxos, não? Você trabalha para ter dinheiro para aproveitar a vida, mas na hora da diversão, está cansado demais e precisa recarregar as baterias pra trabalhar. Você é politicamente correto e nada preconceituoso, mas adora xingar alguém de “viado”. Você não é racista, só não acha que pessoas de outra cor sejam atraentes. Você é defensor dos animais, pode até não comer carne, mas ainda consume produtos que exploram os animais. Você é revolucionário e diz que as classes mais baixas precisam se politizar, mas passa sua vida trancado no gabinete da universidade ou na casa de seus pais que recebem alguns milhares de reais por mês.
Não se sintam ofendidos, caros leitores, isso não é especificamente para atingir vocês ou a mim. A culpa é de todos nós. O que temos feito do nosso mundo e de nossas vidas? Quanto tempo já jogamos fora debatendo os problemas do mundo, para depois irmos para o aconchego de nossas camas na maior paz de consciência? Devo fazer o mea culpa e admitir que este texto não me torna um ser superior, sequer diferente de vocês.
Já perdi a fé na humanidade diversas vezes, e em muitas dessas ocasiões foi por minha própria culpa. Sei que não sou bom exemplo de ser humano e que, provavelmente, muitas pessoas já desistiram de acreditar porque eu, assim como outros antes de mim, não pude dar o moral que era requisitado. Mas se minha fé já foi perdida várias vezes, é porque ela foi reconquista repetidamente, não é mesmo?
Pequenos atos de humanidade são o suficiente para fazer o dia brilhar mais. Um sacrifício pessoal em prol do próximo torna o mundo mais suportável. É claro que não acho que isso seja um desapego genuíno – a ideia consciente pode vir a ser essa, mas na maior parte das vezes é um descarrego de consciência. Mas de qualquer forma, seja verdadeiro ou só um alívio, ajudar o mundo a respirar é necessário.
Proponho aqui uma mudança pequena que pode ser posta em prática desde já: ao acordar amanhã, sorria para a pessoa que está ao seu lado. Se você estiver sozinho, pegue seu café e dê uma bela contemplada na paisagem que está lá do lado de fora de sua janela. A beleza da vida está escondida bem debaixo dos seus olhos, nos lugares aparentemente mais inusitados. Mesmo o tom cinza que domina as grandes cidades pode dar uma nova luz à sua vida.

Não vamos levar a música à "luta de classes", por favor!

Há uns dias atrás, um conhecido meu postou uma atualização em seu Facebook que me deixou intrigado; resolvi ler pra ver qual era a do pastel. O texto era de um dos blogs do jornal Estadão e falava sobre como as pessoas que ouvem rock estão tendo vantagem na hora de conseguir emprego. Vi que muita gente aplaudiu o texto do Marcelo Moreira (para quem quiser ler a matéria, é só entrar AQUI!), se mostrando revoltado contra os “incultos” que só ouvem o “lixo comercial”.

Bom, meu último texto falava sobre os rumos que nossa sociedade está tomando e como isso estava influenciando a produção musical, mas procurei não entrar no mérito do gosto de cada um. Talvez isto não tenha ficado tão claro, então agora à luz deste ensaio do Marcelo Moreira, vou tentar entrar um pouco nessa discussão de preferência musical pessoal.

É preciso dizer que fiz (e ainda estou fazendo) um esforço enorme para não julgar o gosto alheio, afinal é como dizem por aí: “gosto não se discute” (até acho que se discute, só não se valora). Pra quem me conhece, isso tudo pode soar meio estranho, afinal, eles sabem o quanto eu sou chato e implicante pra música (bom, na verdade, não é só com música que eu implico, mas isso é outra história). Admito que erro muito nesse ponto; a arrogância me é característica, infelizmente, e ela escapa nas minhas palavras sem que eu me dê conta na hora. Esse lance de falar tudo de “cabeça quente” já me rendeu muitos problemas na vida (meus queridos amigos, que me aturam, que o digam).

Então, vocês se perguntam: “se o próprio autor é preconceituoso, por que diabos vou ler o que ele escreve?”. E eis a resposta: estou tentando fazer uma análise critica do texto em questão (“Gostar de rock começa a pesar na avaliação profissional”) e dos preconceitos que criamos em relação à música. Eu sei que, pessoalmente, eu não vou mudar do dia pra noite em relação à implicância com a “música ruim”, e nem espero que ninguém aí vá mudar sua vida depois de ler isto aqui. Mas uma tentativa se faz necessária, não é mesmo?

Bom, chega de enrolação! Vamos ao que interessa!

Primeiramente, vi que muita criticou as pessoas que gostam de funk carioca, sertanejo universitário, Restart e etc. O que elas, talvez, não levem em consideração é que o blues, o jazz e o próprio rock, no momento de seus “adventos” não foram aceitos como unanimidade, e antes de eles se estabelecerem como “clássicos”, muita coisa comercial (boa e ruim) foi feita, discriminada, comprada e vendida. O único jeito de saber mesmo se “a moda vai pegar”, é esperar: neste sentido, o tempo acaba virando o senhor da razão. A maioria das bandas de rock das quais lembramos são as que foram mais famosas na época (e não necessariamente as melhores): quantos grupos morreram antes de chegar ao reconhecimento?

Acho que ta na hora de a gente pegar mais leve com quem faz música e começar a criticar quem a reproduz. Piadas à parte, não há problema em existir Restart, Furacão 2000, Michel Teló e afins. O problema é quando apenas este tipo de produção tem espaço na mídia. Se há uma grande “culpada” nisso tudo, esta é a grande mídia, que decide quem ou o quê vai ganhar mais tempo no ar.

Se, por exemplo, todas as rádios tivessem uma grade de programação que dividisse igualmente o tempo para todos os estilos musicais, ao invés de passar 95% do dia reproduzindo o “lixo comercial”, aposto que mais gente gostaria de mais coisas. Mas essa reprodução exaustiva dos mesmos materiais acaba “viciando” o ouvido das pessoas que dependem destes veículos de comunicação para terem acesso à informação, à música ou ao que seja.

Em segundo lugar, o autor, Marcelo Moreira, e também muitas das pessoas que comentaram no texto parecem querer classificar as pessoas que ouvem rock (e, ainda de acordo com eles, jazz, blues, música erudita, etc) como mais cultas do que as outras. Acho que isso é uma armadilha perigosa. Este tipo de definição sobre o que é e o que não é cultura, é justamente o que, décadas atrás, relegou o blues, o jazz e o rock a um papel marginal na sociedade. Se eles conseguiram quebrar essas barreiras, não foi sem mérito ou luta.

Acho que não podemos julgar a competência (nem a inteligência) de uma pessoa apenas pelo seu gosto musical. Se, coincidentemente, as pessoas citadas no exemplo apresentado no texto eram mais “antenadas”, isto não é porque elas ouviam determinado tipo de som. Penso que estas pessoas pesquisaram diferentes tipos de música justamente por serem mais “ligadas”, e não o contrário. Voltando à questão da mídia, é preciso, realmente, ter algum diferencial para poder ter a independência de se buscar o que quer, e não o que nos é ditado pelas regras do jogo social.

(Se acalmem, estamos chegando aos finalmente) O que quero dizer é: temos que parar com essa besteira de acharmos que somos melhores do que fulano, ciclano e beltrano por causa do que ouvimos ou lemos (eu, em especial, preciso aprender urgentemente essa lição). A cultura é diferente, dinâmica, mas nunca melhor ou pior. Uma sociedade ideal seria aquela onde não precisaríamos discutir estas coisas, brigar tanto por um centímetro de repercussão, pois cada tipo de pessoa teria seu devido espaço. 

No mais, eras wilson, gurizada! Aquele abraço e até a próxima!

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