Cansar-me-ão...


... as tuas exigências. Eu poderia escrever mais. Eu deveria escrever mais. Caso assim fizesse, talvez escrevesse melhor... Mas é tão difícil abandonar certas convicções. Por exemplo: sou convicto na minha preguiça. É verdade que, não fosse por ela, eu poderia ser muito mais do que sou, mas quem disse que quero sê-lo? É tão difícil acreditar que pouco me basta? É crime hediondo gostar de fazer nada? Caso gostasse de praia, poderia me imaginar como um daqueles cidadãos que, cansados do caos urbano, abandona a vida tumultuada da grande cidade e se muda para o litoral em busca de sombra e água fresca. Um senhor aposentado e sua rede a balançar. Mas eu não gosto de praia – prefiro viver nas cidades, ainda que deteste o tumulto. Suponho que seja por isso que gosto tanto de estar acordado à noite: é tudo calmo e a santidade do meu quarto não é invadida pelo sem número de sons cacofônicos. E é por isso que gosto tanto de dormir muito: nos sonhos, não há barulho se assim eu não o quiser; não há trabalho, nem pressões e nem demandas; lá nos sonhos, as possibilidades são infinitas, só limitadas pela minha própria criatividade.


É crime, então, querer sonhar mais? Deve ser, já que todos me condenam. Devo escrever mais, devo pensar mais, devo produzir mais, devo consumir mais. Há tantas coisas que querem que eu faça, mas preciso realmente fazê-las? Nunca nos dizem realmente o porquê, não é mesmo? Gostaria era de ter permanecido na infância, ou de poder a ela retornar; Tudo era tão menos complicado naqueles dias pequeninos. O tempo era sempre grande, às vezes grande demais; qualquer tralha virava um brinquedo novo; uma nuvem engraçada era motivo para criar e conta uma estória fantástica... Ah, sim, as estórias fantásticas... Havia magia naqueles dias – magia que me falta hoje. E não estou falando de truques de mágicos profissionais ou de grandes poderes ocultos, mas daquela capacidade jovial e inocente de surpreender-se com o menor dos acontecimentos cotidianos. Quando crianças, tínhamos o mundo pela frente e as horas duravam bem mais. Tudo eram possibilidades: havia uma infinidade de sonhos a se perseguir e de mundos a conquistar. Mas foi logo lá naquela tenra idade que ceifaram qualquer chance de concretizar as magias em potencial.

Sente direito! Preste atenção! Some, divida, subtraia, multiplique! Escreva-me sobre os clássicos! Mas onde ficou o espaço para as minhas vontades, para a minha criatividade? Já naquela época tentaram me tornar previsível, raso. Não deu certo - ao menos, não plenamente. Ele é depressivo! Ele é hiperativo! Ele é desatento! Dêem-no algo para curá-lo! Mas quem disse que eu queria uma cura? Tudo o que de melhor há em mim morre com a cura que eles me querem. Colocam-me a trabalhar, a estudar, a melhorar... Mas para quê? Minhas ideias escorrem pela minha testa. Meus ideais se esvaem pela minha uretra. Minha vida foge pelas minhas narinas. Assim tem sido essa existência de (desinteli)gente grande – existência, não vida; porque não há gozo em desperdiçar meu tempo, meu prazer e meu pouco talento em projetos alheios. Se sou mesmo dono de meu nariz, que me deixem ser como quero! Já disse antes e lhes direi novamente: gosto da minha preguiça, de regozijar meu tédio. Deixem-me ser quem sou que serei melhor. Se me querem vivo, deixem-me sonhar. E chega de vitupérios.

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