Evangelho de meu tempo

A peregrinação da alma vazia levou-me ao abismo.
Irmãos, tenho vivido há tempo demais no deserto.
Irmãs, nunca antes na vida tive conceito mais certo.
Revelar-lhes-ei a Verdade de todos os nossos ismos.

Nunca cri, não creio e nem acreditarei no que há além.
Não pretendo dizer-lhes que senti Deus, Alá ou Buda.
Mas como eremita social e moral, minha visão é aguda
E mortal. Meus ouvidos escutam mais do que me convém.

Disseram-me os silêncios das Igrejas que Deus é amor,
mas antes de cada guerra, ouvi o clamor por Seu nome.
Onde estava o amor? Que fogo sagrado que lhe consome?
E dizem que Cristo se sacrificou com intuito redentor.

Não, irmãos, não! Não foi para vosso abandono alheio
que Cristo se sacrificou. Haverá de ter sido em vão?
Crucificar-me-iam assim que eu negasse ser cristão.
É crime negar-lhes; mas digam-me, o que é ter receio?

É gesto majestoso e sagrado ajoelhar-se por ter medo?
Se assim for, Deus vos benze através da bruta polícia,
dos cruéis assaltos e assassinatos, da oral malícia.
O medo nos aprisiona! Digam-me: é este o seu credo?

Mandaram-me amar meu vizinho, mas e se ele for gay?
Aí dirão que não posso. Por aqui é errado ser feliz;
porque sim, há um jeito apropriado para se ser feliz.
Mas e Deus não era amor? Ou sabe ele algo que não sei?

Não fomos, afinal, feitos à Sua imagem e semelhança?
Sendo assim, imagino que saibamos tanto quanto Ele
a menos que haja algum segredo que Ele não nos revele.
Sei de tudo isto, mas gostaria de negar esta herança.

Grito, mas sou sufocado em nome do silêncio que rege
o santuário. Se vos roubo com promessas, sou acolhido.
Mas caso diga que preciso de uma moeda, serei excluído.
É duro a vida do pobre herege cuja graça não se elege.

Apedrejar-me-ão tão logo tais versos forem lidos.
"Blasfêmia!", é o que gritarão aqueles que amam odiar.
É isto que nos tornamos quando escolhemos o altar
em troca daquela fé que pensávamos ter escolhido.

Meu desejo não é ofender, mesmo que isso vos ofenda.
Não! Anseio por um mundo melhor, onde todos coexistam.
Gostaria de fazer este sacrifício para que desistam
desta vida de injúrias, perjúrios e falsas oferendas.

Sacrifico estes meus versos em nome da humanidade.
Não deverás pagar dízimo; não deverás mais detestar.
Não discriminarás; não mentirás; deverás libertar
tua mente e teu mundo de toda mundana improbidade.

Não sei teu nome e tão pouco importa que saibas o meu.
Escuta minhas palavras: não confudas fé com religião.
Não confundas xenofobia e homofobia com a salvação.
O dever para com esse futuro é tanto meu quanto teu.

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