Uma homenagem a H.P. Lovecraft

Iä iä! Cthulhu fhtagn!

O Sol submergirá em profunda escuridão;
Nascerá o dia sem calor, a noite sem luar

Na treva alheia, encontrar-se-á iluminação
À sombra dos espíritos em descanso milenar


Sopra o hálito pútrido; Voz eterna da náusea
Que profere toda as glórias profana à morte!
Logo emergirão de sua velha morada óssea
Os esquecidos versos Ancestrais de fel porte.

Aquele já se foi para sempre será no instante

em que o Tempo se tornará uma espiral contínua.
O destino pela eternidade jaz junto ao litigante
Que aguarda, afogado, a morte descontínua.

Ph'nglui Mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn


Imagem da HQ Neonomicon, de Alan Moore

Cansar-me-ão...


... as tuas exigências. Eu poderia escrever mais. Eu deveria escrever mais. Caso assim fizesse, talvez escrevesse melhor... Mas é tão difícil abandonar certas convicções. Por exemplo: sou convicto na minha preguiça. É verdade que, não fosse por ela, eu poderia ser muito mais do que sou, mas quem disse que quero sê-lo? É tão difícil acreditar que pouco me basta? É crime hediondo gostar de fazer nada? Caso gostasse de praia, poderia me imaginar como um daqueles cidadãos que, cansados do caos urbano, abandona a vida tumultuada da grande cidade e se muda para o litoral em busca de sombra e água fresca. Um senhor aposentado e sua rede a balançar. Mas eu não gosto de praia – prefiro viver nas cidades, ainda que deteste o tumulto. Suponho que seja por isso que gosto tanto de estar acordado à noite: é tudo calmo e a santidade do meu quarto não é invadida pelo sem número de sons cacofônicos. E é por isso que gosto tanto de dormir muito: nos sonhos, não há barulho se assim eu não o quiser; não há trabalho, nem pressões e nem demandas; lá nos sonhos, as possibilidades são infinitas, só limitadas pela minha própria criatividade.


É crime, então, querer sonhar mais? Deve ser, já que todos me condenam. Devo escrever mais, devo pensar mais, devo produzir mais, devo consumir mais. Há tantas coisas que querem que eu faça, mas preciso realmente fazê-las? Nunca nos dizem realmente o porquê, não é mesmo? Gostaria era de ter permanecido na infância, ou de poder a ela retornar; Tudo era tão menos complicado naqueles dias pequeninos. O tempo era sempre grande, às vezes grande demais; qualquer tralha virava um brinquedo novo; uma nuvem engraçada era motivo para criar e conta uma estória fantástica... Ah, sim, as estórias fantásticas... Havia magia naqueles dias – magia que me falta hoje. E não estou falando de truques de mágicos profissionais ou de grandes poderes ocultos, mas daquela capacidade jovial e inocente de surpreender-se com o menor dos acontecimentos cotidianos. Quando crianças, tínhamos o mundo pela frente e as horas duravam bem mais. Tudo eram possibilidades: havia uma infinidade de sonhos a se perseguir e de mundos a conquistar. Mas foi logo lá naquela tenra idade que ceifaram qualquer chance de concretizar as magias em potencial.

Sente direito! Preste atenção! Some, divida, subtraia, multiplique! Escreva-me sobre os clássicos! Mas onde ficou o espaço para as minhas vontades, para a minha criatividade? Já naquela época tentaram me tornar previsível, raso. Não deu certo - ao menos, não plenamente. Ele é depressivo! Ele é hiperativo! Ele é desatento! Dêem-no algo para curá-lo! Mas quem disse que eu queria uma cura? Tudo o que de melhor há em mim morre com a cura que eles me querem. Colocam-me a trabalhar, a estudar, a melhorar... Mas para quê? Minhas ideias escorrem pela minha testa. Meus ideais se esvaem pela minha uretra. Minha vida foge pelas minhas narinas. Assim tem sido essa existência de (desinteli)gente grande – existência, não vida; porque não há gozo em desperdiçar meu tempo, meu prazer e meu pouco talento em projetos alheios. Se sou mesmo dono de meu nariz, que me deixem ser como quero! Já disse antes e lhes direi novamente: gosto da minha preguiça, de regozijar meu tédio. Deixem-me ser quem sou que serei melhor. Se me querem vivo, deixem-me sonhar. E chega de vitupérios.

Sem nome, nº 13

Suam as mãos, soa o coração
Ritmo incandescente do futuro.
O tempo vive em eterna retração
Faltam segundos, sobram muros.

Sua o coração, soam as mãos
A continência é só um sussurro.
Roubam-me até minha contradição
O mel disfarça qualquer murro.

Gangrena, febre e vil podridão!
As sinapses de um cérebro infiel
Tesas glândulas 'inda denunciarão.

Sorrisos e promessas de papel
Que sobra para o povo, então?
Jogam-se os amanhãs ao léu!

Evangelho de meu tempo

A peregrinação da alma vazia levou-me ao abismo.
Irmãos, tenho vivido há tempo demais no deserto.
Irmãs, nunca antes na vida tive conceito mais certo.
Revelar-lhes-ei a Verdade de todos os nossos ismos.

Nunca cri, não creio e nem acreditarei no que há além.
Não pretendo dizer-lhes que senti Deus, Alá ou Buda.
Mas como eremita social e moral, minha visão é aguda
E mortal. Meus ouvidos escutam mais do que me convém.

Disseram-me os silêncios das Igrejas que Deus é amor,
mas antes de cada guerra, ouvi o clamor por Seu nome.
Onde estava o amor? Que fogo sagrado que lhe consome?
E dizem que Cristo se sacrificou com intuito redentor.

Não, irmãos, não! Não foi para vosso abandono alheio
que Cristo se sacrificou. Haverá de ter sido em vão?
Crucificar-me-iam assim que eu negasse ser cristão.
É crime negar-lhes; mas digam-me, o que é ter receio?

É gesto majestoso e sagrado ajoelhar-se por ter medo?
Se assim for, Deus vos benze através da bruta polícia,
dos cruéis assaltos e assassinatos, da oral malícia.
O medo nos aprisiona! Digam-me: é este o seu credo?

Mandaram-me amar meu vizinho, mas e se ele for gay?
Aí dirão que não posso. Por aqui é errado ser feliz;
porque sim, há um jeito apropriado para se ser feliz.
Mas e Deus não era amor? Ou sabe ele algo que não sei?

Não fomos, afinal, feitos à Sua imagem e semelhança?
Sendo assim, imagino que saibamos tanto quanto Ele
a menos que haja algum segredo que Ele não nos revele.
Sei de tudo isto, mas gostaria de negar esta herança.

Grito, mas sou sufocado em nome do silêncio que rege
o santuário. Se vos roubo com promessas, sou acolhido.
Mas caso diga que preciso de uma moeda, serei excluído.
É duro a vida do pobre herege cuja graça não se elege.

Apedrejar-me-ão tão logo tais versos forem lidos.
"Blasfêmia!", é o que gritarão aqueles que amam odiar.
É isto que nos tornamos quando escolhemos o altar
em troca daquela fé que pensávamos ter escolhido.

Meu desejo não é ofender, mesmo que isso vos ofenda.
Não! Anseio por um mundo melhor, onde todos coexistam.
Gostaria de fazer este sacrifício para que desistam
desta vida de injúrias, perjúrios e falsas oferendas.

Sacrifico estes meus versos em nome da humanidade.
Não deverás pagar dízimo; não deverás mais detestar.
Não discriminarás; não mentirás; deverás libertar
tua mente e teu mundo de toda mundana improbidade.

Não sei teu nome e tão pouco importa que saibas o meu.
Escuta minhas palavras: não confudas fé com religião.
Não confundas xenofobia e homofobia com a salvação.
O dever para com esse futuro é tanto meu quanto teu.

Dia dos pais...

Durante séculos mantivemos nossas diferenças
Tempo que um dia parecerá longo demais.
Dirá que houve até intransponíveis desavenças
que outro dia talvez não fossem nada demais.

Assim como um Zeus que desafia seu Chronos
já tivemos asperezas e até silêncios demais.
Em nome do ego e da juventude, construí tronos
D'onde reinei como um tolo, arrogante demais.

Desafiar paterna autoridade é apenas humano;
mas sulca na carne da alma cicatrizes demais.
E tudo em nome de muitos e mesquinhos enganos.

Os anos passaram, talvez, rápido demais.
E com eles vêm a dor que causaram os enganos.
Hoje é um daqueles dia em que sinto falta de meu pai.

Dorme, criança

Como ferro frio que destrói assombrações
o mundo teima em ceifar-me as aspirações
Se para viver neste mundo sou incapaz,
certamente é porque o onírico me satisfaz

Uma hora a menos para cansar-me e matar;
um punhado de meses a mais de vida voraz.
O sol nasce e me destrói, suga-me todo ar
como fogo que consome a floresta mais tenaz.

Torso em riste, punhos cerrados, cabeça vazia:
Querem todos que eu realmente desista de sonhar!
A cama à noite e horas para gastar durante o dia.

Desejava mesmo te fazer dormir e  flutuar.
Irrigar-te com um pouco de luz, como fazia
o sol ao se pôr para acender o belo luar.

Desaparecimento

Pedaço por pedaço, cedo desapareço
Como fumaça e gritos em meio a prantos
Toca-me o fado da existência ao avesso
Essa doce magia que perdeu seu encanto

Sobra a névoa de mais espesso porte
Sobra aquela velha dor que nunca perdoa
E se os versos entristecem vossa sorte
É porque há anos eles têm vivido à toa

Os antigos sábios já não sobem aos céus
Suas suaves silhuetas e sons são absorvidos
E ressonam na sinfonia dos solitários mausoléus

Que silvam mil sussurros suspeitosos
Que sulcam-nos sonhos sombrios e sórdidos
E sugam o suado sangue dos silenciosos

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