Conversas com as Pessoas de Fernando...



Diz-me lá, velho mestre d'outrora
que fazes a pregar teus sonhos e fados por aqui?
Para onde foram as naus que agouras?
Foram-se atrás de Sebastião e deixaram-te aqui?

"Que sonhos?... Eu não sei se sonhei... Que naus partiram, para onde?
Tive essa impressão sem nexo porque no quadro fronteiro
Naus partem - naus não, barcos, mas as naus estão em mim (...)"

Calma lá, velho amigo, nem tudo está perdido.
Não te desapontes frente às absurdas Horas!
Alivie a dor nos papéis, diga o não-dito
que ainda há de se escrever. Não te acanhes: chora!

"Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,
e eu ver isso em ti é um por sem navios"

Todas as dores do mundo recaem sempre sobre nossos ombros
Os olhos que tudo veem são os dos homens azedos e condenados
Resta um último esforço hercúleo para reerguer os escombros
Encontrar as formas imprecisas nos sonhos que estão afogados

"(...) E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta
Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta
E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida"

Mas para além dos sonhos, quanto sentido se pode ter?
Tenho tantas dúvidas, e são tantas as minhas incertezas!
Seria a vida o sofrer, o amar, o partir, o ter, o saber?
Que sabemos nós sobre o panteão das filosóficas grandezas?

"Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o soul, que peca
Só quando em vez de criar, seca

O mais que isto
É Jesus Cristo
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca”

Tens toda a razão, meu caro lisboeta
Chega de estéticas e morais tísicas!
De hoje em diante, vivo a vida do poeta
mais simples, sem qualquer metafísica!

Como os ingleses, de tabacaria em tabacaria
o resto dos meus míseros dias passarei.
Lá no horizonte, o Tejo; e na cabeça, a poesia!
Se um dia eu o vir, caro amigo, acenarei!

"O homem sai da tabacaria (metendo o troco na algibeira das calças?)
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta).
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e e viu-me
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus, ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu".

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A princípio, esta ainda é um rascunho do meu diálogo imaginário com os poemas de Fernando Pessoa.

P.S.: Para a confecção deste poema, foram usados versos dos seguintes poemas: "A Casa Branca Nau Preta"; "Hora Absurda"; "Liberdade"; novamente de "Hora Absurda"; e "Tabacaria".

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