Dia dos namorados, coração alardeado

Sei que o dia dos namorados foi ontem, mas eu acabei esquecendo de postar o poema por aqui ainda ontem. Bom, suponho que o que vale é a intenção, certo?

Coração alardeado


Cala-te, coração que se demora!
Não me abandones, amigo incauto,
que a razão me foge justo agora.
Logo tu vens a alardear bem alto
que me perdi contigo mundo afora.

Cala-te, coração tolo e cruel!
Mal podes aguardar por essa hora
em que terás chance de me ver réu
do amor insano que há meses aflora
em meu peito despido de véu

Cala-te, lembrança inglória!
Não quero mais lugar no teu céu,
e nem quero mais essa história!
Só desejo esse amor que meu
peito acalenta com febril memória.

Cala-te, coração afoito e pesado!
Deixa-me viver meu dia de glória.
Ouvir uma solícita voz, compromissado
com os frutos da apaixonante vitória!
Descansa, coração, já estou apaixonado!

Fala, coração, só quando for contar
ao mundo que hoje é dia dos namorados.
Nas asas dos beija-flores, vivo a voar
espalhando no vento que sou enamorado...
Como o céu ama as estrelas e o luar.

Conversas com as Pessoas de Fernando...



Diz-me lá, velho mestre d'outrora
que fazes a pregar teus sonhos e fados por aqui?
Para onde foram as naus que agouras?
Foram-se atrás de Sebastião e deixaram-te aqui?

"Que sonhos?... Eu não sei se sonhei... Que naus partiram, para onde?
Tive essa impressão sem nexo porque no quadro fronteiro
Naus partem - naus não, barcos, mas as naus estão em mim (...)"

Calma lá, velho amigo, nem tudo está perdido.
Não te desapontes frente às absurdas Horas!
Alivie a dor nos papéis, diga o não-dito
que ainda há de se escrever. Não te acanhes: chora!

"Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,
e eu ver isso em ti é um por sem navios"

Todas as dores do mundo recaem sempre sobre nossos ombros
Os olhos que tudo veem são os dos homens azedos e condenados
Resta um último esforço hercúleo para reerguer os escombros
Encontrar as formas imprecisas nos sonhos que estão afogados

"(...) E é sempre melhor o impreciso que embala do que o certo que basta
Porque o que basta acaba onde basta, e onde acaba não basta
E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida"

Mas para além dos sonhos, quanto sentido se pode ter?
Tenho tantas dúvidas, e são tantas as minhas incertezas!
Seria a vida o sofrer, o amar, o partir, o ter, o saber?
Que sabemos nós sobre o panteão das filosóficas grandezas?

"Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o soul, que peca
Só quando em vez de criar, seca

O mais que isto
É Jesus Cristo
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca”

Tens toda a razão, meu caro lisboeta
Chega de estéticas e morais tísicas!
De hoje em diante, vivo a vida do poeta
mais simples, sem qualquer metafísica!

Como os ingleses, de tabacaria em tabacaria
o resto dos meus míseros dias passarei.
Lá no horizonte, o Tejo; e na cabeça, a poesia!
Se um dia eu o vir, caro amigo, acenarei!

"O homem sai da tabacaria (metendo o troco na algibeira das calças?)
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta).
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e e viu-me
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus, ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu".

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A princípio, esta ainda é um rascunho do meu diálogo imaginário com os poemas de Fernando Pessoa.

P.S.: Para a confecção deste poema, foram usados versos dos seguintes poemas: "A Casa Branca Nau Preta"; "Hora Absurda"; "Liberdade"; novamente de "Hora Absurda"; e "Tabacaria".

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